Claustrofobia
Dalma é uma jovem senhora próxima dos trinta anos. Considera-se bem casada. O marido provém de família de classe alta, proeminente no meio em que vivem. Ela é oriunda de cidade pequena e de pais modestos. Tem dois filhos. Padece de claustrofobia há algum tempo, com recrudescimento nos últimos meses. Prefere subir longas escadas a ter de enfrentar um elevador. Experimenta o mesmo desconforto em quaisquer recintos pequenos fechados, ou grandes salas com muita gente. Sente-se vexada em não conseguir acompanhar o marido a reuniões sociais onde sua presença seria eminentemente desejável. Afirma que ele já se habituou e não reclama. Ela, entretanto, não está satisfeita, porque se lhe afigura não estar cumprindo de um dos importantes deveres de esposa.
Ao início, foi proposto à cliente fazer, com o marido, uma psicoterapia de casal. Para grande surpresa de Dalma, que manifestara plena confiança de que o marido aceitaria a ideia de bom grado, ele a rechaçou terminantemente. Sobrou tentar fazer o que era possível, e Dalma concordou com uma terapia individual breve, declarando, ainda, custeá-la às próprias expensas, diante da afirmativa do cônjuge de "não acreditar nisso". Foi decidido empregar-se, de imediato, como um dos veículos do processo, a indução do transe hipnótico para fim psicoterápico. Para induzi-lo, o terapeuta valeu-se da sugestão geral de relaxamento, com a paciente confortavelmente sentada, acrescentando que, de olhos fechados, ela ouvisse o terapeuta contar, lentamente, em voz alta, de um até cinco e, como numa tela de cinema, tentasse visualizar os números à medida em que fossem sendo ditos. Ao ir-se aproximando o número cinco, sentiria as pálpebras se tornarem mais pesadas e entraria, pouco a pouco, numa espécie de sono tranquilo. Mas não estaria dormindo de fato, pois continuaria a ouvir a voz do terapeuta. Ao iniciar-se a contagem dos números, notou-se alguma dificuldade em Dalma acompanhar e agir segundo o que fora proposto, pois começou a mover-se, ainda que levemente, na cadeira, e a apresentar algumas contrações do rosto. O motivo disto só se esclareceu mais tarde. Pouco a seguir, a cliente reviveu, por estímulo do terapeuta, algumas cenas gratificantes da infância e adolescência com perceptível bem-estar e discreto sorriso. Dada a instrução de que, a partir daquele momento, lhe seria cada vez mais fácil retornar ao estado de consciência em que se encontrava agora, e que o atingiria mais profundamente à medida em que o exercitasse, a paciente, a pedido do terapeuta, voltou a abrir os olhos plenamente alerta.
Na sessão seguinte, três dias mais tarde, Dalma, depois de alguma revocação do que ocorrera na primeira entrevista, posta em transe hipnótico, foi convidada a representar mentalmente, para si mesma, com clareza, sua entrada num dos prédios onde, até agora, sentia dificuldade de tomar o elevador. Ajudada pela verbalização do terapeuta, com calma, ela se imaginaria aproximando-se do edifício onde deveria entrar. Caso achasse melhor e mais fácil, poderia, mentalmente, ver o terapeuta a acompanhá-la na subida. A encenação fictícia realizou-se pouco a pouco, sendo a paciente estimulada com elogios adequados a cada momento em que vencia a resistência de executar mais um passo do que fora combinado, até se figurar e sentir-se tomando o elevador e subindo ao andar onde, rotineiramente, de tanto em tanto, era obrigada a ir. Subjetivamente, tudo era vivido como algo real. Para amenizar o que surgisse de penoso nos afetos levantados durante essas representações mentais - pois era, de certo modo, a confrontação direta com a fobia - Dalma foi ajudada a poder dirigir, por ela própria, o curso interno dos fatos: recebeu o esclarecimento de que, se a experiência se tornasse demasiado incômoda, bastaria abrir os olhos alguns instantes para tudo cessar de imediato, e pouco depois, em seguida, lhe seria mais fácil continuar o processo a partir de onde interrompera. Assim foi feito duas ou três vezes durante a sessão. Para maior vigor e consistência do que havia sido desempenhado mentalmente, foi aconselhado a Dalma executar, deveras, numa tarde à sua escolha, tudo aquilo que, aqui e agora, nesta sessão de psicoterapia, estava sendo só imaginado (estava ocorrendo), e cumprir a tarefa, o mais possível, tal qual fora ensaiada mentalmente.
A terceira sessão começou com Dalma a informar ter conseguido desempenhar-se do combinado, embora com certo esforço. Houve poucos momentos de hipnose. A maior parte do tempo serviu para o relato de lembranças, consideradas de muita importância, advindas à cliente depois da última sessão. Eram cheias de remorsos e sentimentos de culpa, e aclararam o obstáculo que a paciente deparou, na primeira hora de psicoterapia, ao ser solicitada a contar de um até cinco e enxergar, como numa tela de cinema, esses números. O que emergiu remontava aos onze ou doze anos de idade. Dalma era pajeada e levada pelo pai ao cinema, certas tardes, enquanto a mãe ia para uma casa de chá, sozinha, sem ter companhia. A adolescente se deliciava com esses momentos mas, ao mesmo tempo, achava que não estava certo ficar junto ao pai, orgulhosa e satisfeita, e a mãe ser deixada inteiramente à margem, ainda que tudo parecesse muito justificado pela declaração da mãe de preferir um chá a ter de encurralar-se num salão a ver figurinhas. A cliente percebeu, com muita clareza, os elementos edipianos intrínsecos àquela situação antiga e o quanto o estar na sala do cinema, cheia de gente, representava o gostoso proibido, com sabor de incesto. Na indução do primeiro transe, pela contagem de um a cinco e a sugestão de “ver os números como numa tela de cinema”, houve, de fato, vigorosa reativação do que fora angustiada e penosamente recalcado na estreante adolescência: pai e filha, lado a lado, em público, qual um par um tanto festivo, enquanto a mulher legítima desse homem era ignorada.
Dalma opinou que, tal como ela se percebia, já estava em condições de enfrentar agora, com domínio de si e confiança, o que até há pouco lhe causava pânico. A terapia atingira o alvo desejado e poderia finalizar-se. O terapeuta assentiu. Não cabia dúvida razoável em contrário, apesar do tratamento brevíssimo, não além de três horas. O empenho da cliente e sua grande inteligência favoreceram, decisivamente, o bom e rápido desenlace da terapia.
Comentário
Tentando seguir o roteiro que, habitualmente, empregava para casos semelhantes ao de Dalma, pelo conteúdo e pelas circunstâncias, o terapeuta cogitara de atender o par matrimonial. A aversão do marido a qualquer forma de tratamento das fobias da mulher, por ele classificadas de tolices, conduziram à busca de outro modo de ajuda a quem procurava livrar-se de sofrimento real, gerado por compulsões internas que necessitavam ser resolvidas adequadamente. A negativa do cônjuge, por mais que chocasse e fosse decepção para a mulher, estimulou-a a vencer a dupla adversidade: os sintomas e o desinteresse da fonte de onde esperava inteira cooperação, o frustrante marido. Benfazejo ao desempenho do processo terapêutico foi a paciente ter resolvido saldar os honorários por própria conta, economizando o que podia do dinheiro que lhe era dado para suas necessidades pessoais e as despesas da casa. Era, no mínimo, saudável autonomia em relação ao marido, devendo refletir-se no futuro, de modo positivo, noutras situações desse feitio.
Não houve simples e pragmático descondicionamento, quase como uma cirurgia extirpadora de um nódulo, ignorando-se suas causas. Tampouco se deu uma análise profunda, presumivelmente eliminadora das principais raízes do mal e do que pudesse estar-lhe anexo. Havia compreensível urgência no desejo de Dalma de remediar, o mais depressa que pudesse, uma situação incômoda, de âmbito restrito mas frequente. Na psicoterapia, houve elaboração eliminatória efetiva, ajudada, sem dúvida, pelo transe hipnótico. A cliente obteve o que procurava. Não se exclui que, além daquilo que foi conseguido, ou seja, a eliminação dos sintomas presentes, se tenham dado outras modificações mais profundas, ainda incapazes de ser reconhecidas naquele momento. O marido de Dalma era membro de uma família, como a dela, também originária do interior, e que se tornara abastada, com amplo e invejado destaque público, graças à habilidade sócio-econômica do pai, tino, ao que parece, não transmitido aos filhos. Nas expressões verbais e não-verbais de Dalma, sóbrias, inteligentes, transpirava bastante da posição e do modo de cada um dos cônjuges de avir-se na situação de par matrimonial. Da parte do marido, era perceptível algo como que certa “busca e resgate do passado”, refletida num certo machismo para com a mulher, malgrado também reconhecesse nela, talvez a contra-gosto aliado a certa satisfação, capacidade mais aguçada que a dele de perceber certos aspectos importantes da vida em comum de ambos (do casal).
Malomar Lund Edelweiss